Dom Luís Azcona, símbolo da luta contra tráfico humano e abuso infantil no Marajó, morre aos 84 anos
20/11/2024
Bispo emérito estava internado em Belém para tratamento de câncer no pâncreas. Por 30 anos, ele atuou na defesa de direitos humanos na região do Arquipélago do Marajó e chegou a sofrer ameaças de morte. Dom José Luís Azcona Hermoso
Tarso Sarraf
Morreu nesta quarta-feira (20), aos 84 anos, Dom José Luís Azcona, liderança reconhecida internacionalmente pela luta contra o tráfico humano e o abuso sexual de crianças e adolescentes no Arquipélago do Marajó, no Pará. Azcona estava internado em Belém desde o último dia 28 de outubro para tratamento de um câncer no pâncreas.
O bispo emérito do Marajó foi diagnosticado em junho. Durante a última internação, os médicos informaram que a fragilidade do paciente impedia procedimentos cirúrgicos e que não havia mais opções de tratamento curativo.
Diante do quadro, Azcona vinha recebendo tratamento paliativo da equipe médica. A Prelazia Do Marajó, região administrativa católica da qual fazia parte, era quem informava sobre o estado de saúde dele. O Governo do Pará decretou luto oficial de três dias.
O velório em Belém reuniu admiradores na Paróquia São José Queluz, no bairro Canudos. No local, uma missa foi marcada para ser celebrada na manhã de quinta-feira (21) por volta das 7h, antes de o corpo dele ser levado para Soure, no Marajó, onde deve ser sepultado.
Dom José Luis Azcona Hermoso nasceu em 1940 na Espanha. Por 30 anos atuou denunciando mazelas da região do Marajó e a exploração sexual de crianças no arquipélago.
Morre Dom Azcona, bispo emérito do Marajó
Atuação no Marajó
Dom Azcona atuou como bispo titular da Prelazia do Marajó de 1987 a 2016.
Em 2015, ele denunciou casos em que crianças foram exploradas por visitantes que chegavam à região, e eram abusadas com o consentimento da própria família. Os casos tiveram repercussão nacional.
O bispo emérito também foi fundamental para a instalação da CPI da Pedofilia na Assembleia Legislativa do Pará e no Congresso Nacional, nos anos de 2009 e 2010. O trabalho na defesa pelos direitos humanos no Marajó fez com que, em 2008, o nome dele estivesse entre as três lideranças católicas ameaçadas de morte no Pará.
“Eu sou consciente de que me podem matar, mas eu não posso tolerar mais que esse fenômeno tão triste aconteça diante da minha cara”, disse.
“Uma mãe levava uma menina de 10 anos para uma dessas balsas, meninas que se chamam ‘balseiras’ no jargão normal. R$ 2,40 e um pequeno balde com vísceras de porco ou de boi, isso é que vale uma menina em algumas regiões do Marajó”, contou ele à reportagem do Jornal Nacional, na época.
Em dezembro de 2023, o bispo emérito do Marajó recebeu um pedido da Nunciatura Apostólica - representação diplomática do Vaticano para deixar a região. A Nunciatura Apostólica no Brasil não informou o motivo e nem para onde o bispo seria deslocado.
A medida causou revolta dos moradores em várias cidades do Marajó. Ocorreram protestos em Bagre, Breves e Soure. Os moradores caminharam pelas ruas das cidades carregando balões brancos, cartazes e entoando cânticos religiosos.
No dia 26 de dezembro, a Nunciatura Apostólica enviou uma carta para ele, comunicando que Dom José Luís Azcona não precisaria mais deixar a região.
Diagnóstico de câncer
Os primeiros exames clínicos feitos em junho de 2024 apontaram a existência de uma lesão no pâncreas, órgão que produz enzimas que ajudam na digestão de alimentos e que atua na produção de insulina, controlando os níveis de açúcar no sangue.
Naquele mês, a internação do bispo emérito ocorreu em decorrência da diminuição do nível de sódio no sangue provocado pelo câncer. Dom José Luís Azcona chegou a ficar mais de 30 dias internado durante julho e agosto, em Belém.
Em 10 de setembro, ele recebeu a visita da imagem peregrina de Nossa Senhora de Nazaré, padroeira do estado do Pará, no leito do hospital onde estava internado. A homenagem foi feita pouco antes do Círio de Nazaré, maior procissão religiosa do Brasil, que ocorre há mais de 300 anos no Pará.
Dom Luís Azcona recebe visita da imagem peregrina de Nossa Senhora de Nazaré e abençoa os paraenses.
Reprodução/TV Liberal
Trajetória religiosa
Dom Azcona nasceu em Pamplona, na Espanha, em 28 de março de 1940. Aos 10 anos, ainda na Espanha, ele foi para o Seminário Menor na cidade de São Sebastião (Espanha). Foi ordenado padre em 21 de dezembro de 1963, na Ordem dos Agostinianos Recoletos na basílica de São João de Latrão, em Roma.
Ele chegou ao Brasil na metade da década de 80 como missionário na prelazia do Marajó e foi declarado bispo da região em 1987 pelo Papa João Paulo II. A sua sagração episcopal ocorreu em 5 de abril de 1987 por dom Alberto Gaudêncio Ramos, em Belém. Desde 12 de abril daquele ano permaneceu em Soure, na Ilha de Marajó.
Passou a denunciar a exploração sexual contra mulheres, adolescentes e crianças no Marajó e chegou a sofrer ameaças de morte por esta atuação. “Ele permaneceu na prelazia marajoara até a renúncia ao governo pastoral, em 2016”, segundo a CNBB. Em 2022, foi premiado com a Ordem do Mérito Princesa Isabel.
Bispo Dom José Luiz Azcona atuou mais de 30 anos no Marajó
Reprodução/TV Globo
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) emitiu nota de pesar pela morte de Dom Luís Azcona. Veja, abaixo, a íntegra:
"Com pesar, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil expressa seus sentimentos aos familiares, aos membros da Ordem dos Agostinianos Recoletos e ao povo de Deus na prelazia d0 Marajó (PA) pelo falecimento de seu bispo emérito, dom José Luís Azcona Hermoso.
Reconhecendo as chagas de Cristo na humanidade, o irmão no episcopado dedicou sua vida de forma incansável na luta contra o tráfico de pessoas. Também se tornou para nós um farol e uma referência na luta contra a exploração de crianças e adolescentes, a ponto de ter a própria vida ameaçada em decorrência de seu firme testemunho.
Agradecemos imensamente as contribuições de dom Azcona à nossa Conferência, como pregador do retiro para o episcopado brasileiro reunido na 56ª Assembleia Geral da CNBB, em 2018, e também por sua participação em reuniões promovidas por nossa Comissão Episcopal para a Ação Sociotransformadora.
Dom Azcona deixa-nos um legado de amor, sabedoria e compaixão com os mais pequeninos, testemunho que continuará a inspirar a todos na Igreja no Brasil.
Que Deus conforte a todos que sentirão sua falta e que sua memória continue a iluminar nossos caminhos".
Moradores de cidades na Ilha do Marajó protestam contra saída de liderança religiosa
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